Um dos prefácios prescritos pela Liturgia durante a Quaresma diz que Deus, pelo Jejum Corporal, reprime os vícios, eleva a inteligência, concede a virtude e o prêmio dela. Como? O autor de romances de horror Stephen King (dificilmente uma figura que você imaginaria figurando nesse artigo), coloca na boca de um de seus personagens durante o romance "A Dança da Morte" uma explicação sobre a natureza da experiência espiritual do "Deserto". Quando os personagens de King peregrinam pelo deserto que separa Boulder de Las Vegas, um deles fala como a experiência do Jejum é semelhante a desligar os acessórios de um carro para poupar a bateria. O cardeal Robert Sarah nos relembra muitas vezes como devemos buscar a Deus no silêncio, pois é no deserto que ele habita. A Quaresma deve nos lembrar de focar nossas "baterias" nAquele que é Fundamental. Aquele que leva nossa alma para cima, é nEle que devemos focar nossa Semana Santa. Nesse artigo vamos refletir sobre as lições que esses quarenta dias nos ensinaram, e como elas chegam à sua plenitude no Mistério do Tríduo.
Quinta Feira Santa
O Lava-Pés nos lembra da Esmola, que junto com o Jejum e a Oração compõe a estrutura penitencial da Quaresma. São João Crisóstomo elenca sete razões que fundamentam a Caridade na vida do Cristão: (1) É muitas vezes fácil dar, (2) Quem pede padece em alguma miséria (3) Devemos compaixão com o nosso semelhante (4) Jesus promete o Reino se praticarmos essa Virtude (5) Deus recebe através dos necessitados, Ele merece (6) É uma honra que Deus receba de nossas Mãos (7). É justo que Deus receba aquilo que Lhe pertença. Qual é a relevância de tudo isso? Ora, pergunte a si mesmo aquilo que amputa sua caridade: Você só olha para o ser humano desagradável como recipiente do ato? Você se considera proprietário do bem ou serviço (a Tradição da Igreja lembra que somos reles dispensários)? Não acreditamos nas promessas de Jesus?
Quantas vezes aqueles que convivem conosco podem dizer "Não tenho quem me ajude", como o aleijado na piscina de Betesda? Temos de parar de pecar para ver a necessidade dos irmãos, temos de amar os irmãos para não estarmos em mentira quando professarmos o amor por Deus (Jo 4,20). Separar a Caridade da Conversão leva a nos contentarmos com o pecado, ou com um mundo mais "humano", esquecendo que a Evangelização deve levar pra cima, ser mais do que humana. Para ajudar o Humano precisamos do Divino.
Sexta Feira Santa
Você sente por vezes que você só nasceu para sofrer e para morrer? Jesus veio para isso. Como diria Bernardo de Claraval em seu terceiro sermão para a circuncisão do senhor: Através do seu nascimento, Jesus entra em nossa prisão, rompe nossos grilhões e toma nossos laços em suas mãos inocentes, fazendo com que aquele que criou a Lei se submeta à Mesma. Jesus é o Isaac que não foi poupado, é o Jó que realmente foi abandonado, é o José vendido por seu irmão. Jesus é a plenitude do abandono para resgatar cada aspecto nosso. É isso que a Tradição da Igreja nos ensina. A Semana Santa nos ensina o que é o Amor. Assim como o Papa João Paulo II disse aos jovens de Tóquio em 1981: devemos educar nossos sentimentos para perceber que o Amor não é só um sentimento, com o Amor mais difícil sendo o Maior. Para nos abrirmos ao difícil Amor de Cristo com o fim da Quaresma, precisamos reconhecer que somos pó (Gn 3,19), precisamos da Humildade.
Crisóstomo nos lembra que a Humildade pesa mais que o Pecado, e que a Vaidade pesa mais que a Justiça. Chesterton justifica o peso deste pecado em especial chamando a atenção à capacidade do homem vaidoso de transformar seus pecados em falsas virtudes, num desculpismo sem vergonha ou em inventar "direitos" a ser mesquinho. Lembre-se que Cirilo de Jerusalém nos ilustra o poder da humildade quando os colegas de Daniel sobrevivem à Fornalha ardente, após reconhecerem os seus pecados diante de Deus (não apenas apenas a recusa em adorar aos ídolos). O rio refrescante da reconciliação os protege da ira dos Caldeus e converte o sanguinário Nabucodonosor.
Sábado de Aleluia
A última das Sete Dores de Maria foi a deposição do corpo do Filho Amado no sepulcro. Passando do Ventre virgem da carne para o ventre virgem da rocha, a esperança parece perdida justamente no momento em que todos os homens foram presenteados com sua maior esperança.
Muitas vezes a Etapa menos compreendida de toda a Semana Santa, O Sábado de Aleluia é aquele dia em que Jesus desceu a Mansão dos Mortos para trazer a Boa Nova àqueles que faleceram antes dele. Hans Urs von Malthasar fala de como a alma que recebe a visita da Graça de Deus sofre, porque a luz dEle ilumina sua pobreza. De fato, isso é verdade, mas as almas com certeza não permitiram que a visão de sua pequenez as afastasse da realidade gloriosa da vinda de Cristo, e nós não devemos tampouco. Devemos exultar de alegria porque Cristo veio. Não permita que os teus escrúpulos ou que o teu apego ao Pecado retirem o teu desejo de se unir a Deus. O padre Paulo Ricardo já nos explicou dos perigos da acídia, quando chamamos aos desejos do Altíssimo de "maus" só porque colidem com nossa vontade: ser abandonados ao que pedimos pode ser o maior castigo.
Domingo de Páscoa
Chegamos ao Domingo. O Catecismo da Igreja Católica (793) nos diz que se quisermos ressuscitar com Jesus devemos padecer com ele. Assim como Jesus foi elevado na cruz (do Grego hypsothô) Ele é agora içado (hypsothô) como os antigos reis o eram sobre seus escudos. A diferença é que esse Rei é o escudo de seu povo (com sua Cruz), e muitas vezes de seus algozes ("perdoai-lhes eles não sabem o que fazem"). Entre a primeira vinda de Cristo na Carne, e sua última vida na Glória, temos aquilo que Bento XVI chamou de "advento médio", em cada Missa e na vida de seus santos. Maran atha (O Senhor veio), Marana tha (vinde Senhor). Hora de abrir a porta àquele que só faz vir ao nosso encontro.
Milton nos mostra que O Filho levou aos lábios o cálice dos remorsos que nenhuma potestade tomaria para si. Recebemos a imposição das cinzas... Convertemo-nos? Cremos no Evangelho?Aprendemos o Amor de Deus? Preferimos Sua Vontade? Amamos as Suas obras, nossos irmãos? O Cálice do Senhor passará de nós? Molhará nossos lábios, ou infiltrará até o coração com a fome pelo alto?