Em todos os períodos históricos em que a Igreja enfrentou uma grande crise, a confusão abundou e o erros se proliferaram. A esposa de Cristo, mãe e mestra, é a única garantia de santidade em um mundo imerso no pecado. Quando ela deixa de ser o modelo, inevitavelmente a verdade é obscurecida e as pessoas afastam-se de Deus, acreditando em mentira e seguindo falsos líderes.
Nos tempos presentes, em que o papel da Igreja de proclamar a verdade e de esclarecer as consciências é constantemente atacado, vê-se no mundo uma proliferação do erro, da mentira e do pecado. Católicos deixaram de praticar a fé; seitas new age crescem; verdades básicas sobre o homem são desacreditadas; o casamento é atacado; a vida relativizada.
A causa da crise é múltipla, tema que não caberia explicar neste artigo. Entretanto, em resumo, pode-se dizer que a crise tem uma só causa principal: o mau testemunho dos católicos. A crise do mundo surge da crise interna da Igreja. Somos nós, católicos, que não vivemos a integralidade do Evangelho e deixamos a luz escondida, os grandes responsáveis por essa crise.
Diante dessa situação, o demônio, criatura inteligentíssima e astuta, após atacar os maus católicos, para que, por seu mau exemplo, o erro proliferasse, ataca também aquelas pessoas que querem viver bem a sua fé nesses tempos, mas de uma maneira sutil: aparentando-se com o bem. E essa é a forma mais perigosa de ação demoníaca, quando ela se esconde sob uma aparência de bondade e santidade.
Em primeiro lugar, o demônio fomenta o caos. Depois, cria a ilusão de que a Igreja de Cristo está morta – o que não passa de uma mentira, pois o próprio Cristo prometeu que as portas do inferno não prevaleceriam. Mas pouco importa isso ao demônio: ele quer que o desespero afaste as pessoas da Igreja.
Após fazer isso, o demônio age fomentando supostos redutos da fé, em que aparentemente o Evangelho é preservado. A pessoa que, no meio do mundo caótico, está procurando honestamente a Deus pode se sentir atraída por esses redutos e cair, também, no erro.
A trapaça do demônio torna-se mais astuta ainda se compreendermos que, de fato, em tempos de crise, há lugares em que o Evangelho é verdadeiramente vivido, pois Cristo nunca abandona a sua Igreja. Assim, com o demônio fomentando seitas, o fiel pode ser enganado ao discernir qual dos grupos está, de fato, em consonância com o Evangelho e qual deles não está.
Um breve exemplo histórico pode nos ajudar a visualizar esse fato. A Ordem de São Francisco nasceu em um tempo de crise da Igreja, em que grande parte do clero havia se esquecido de sua missão e se enriquecido indevidamente. Francisco sentiu-se chamado a viver a pobreza evangélica e, após ouvir a voz do Cristo, começou a ‘reconstruir’ a Igreja. A Ordem foi aprovada pela Igreja e, por meio dela, surgiram inumeráveis santos.
No mesmo tempo histórico, surgiram muitos grupos que também defendiam a pobreza evangélica, que, aparentemente, também queriam voltar a viver a pureza da Doutrina Cristã. Um desses grupos foram os chamados “Irmãos Pobres de São Francisco”. Apesar do nome e de sua ‘proposta’, o grupo foi condenado pela Igreja por ser considerado uma seita.
Portanto, um fiel que quisesse viver a fé radical do Evangelho no século XIV, encontraria esses dois grupos e poderia enganar-se, acreditando que a seita fosse a quem defendesse e vivesse o Evangelho.
Mas, então, como diferenciar um grupo e um carisma legítimos do falso, que surge apenas para afastar ainda mais almas da verdadeira fé? Esse texto pretende dar alguns poucos critérios sólidos para respondermos a essa pergunta. Ele não pretende dar todos os critérios ou esgotar o assunto, pois seriam necessárias muitas páginas para isso.
1. Obediência à Hierarquia da Igreja
Esse primeiro critério é o mais importante, pois é o mais seguro. Como veremos adiante, nem todas as seitas têm as mesmas características e, às vezes, diferenciá-las de um grupo legítimo torna-se difícil. Mas todas as seitas desobedecem de uma maneira ou de outra a hierarquia legítima da Igreja.
A Igreja é uma instituição com uma hierarquia visível. O próprio Cristo fundou-a dessa maneira quando escolheu doze apóstolos e, entre eles, o primeiro Papa. Deu a eles o poder de ensinar a verdade – “Quem vos ouve, a mim ouve” (Lc 10, 16) -, de perdoar os pecados – “A quem perdoardes os pecados, lhe serão perdoados” (Jo 20, 23) - e de celebrar a Missa – “fazei isto em memória de Mim” (Lc 22, 19). Prometeu à Igreja que permaneceria com ela até o fim dos tempos e que o inferno não prevaleceria contra ela. Em suma, é a Igreja a depositária da verdade e ela tem o poder de julgar e de aprovar os diferentes carismas e grupos que surgem dentro de seu seio. Ocorre que, devido à crise da hierarquia, muitos grupos caem na tentação de ignorá-la, de dizer que perderam o poder dado por Cristo. De fato, a Igreja não se reduz à hierarquia, mas não pode existir sem ela.
As seitas tendem a separar a Igreja visível da Igreja verdadeira. Tal ideia foi condenada por Pio XII na Encíclica Mystici Corporis, pois torna a fé subjetiva, já que o indivíduo, por si mesmo, torna-se o único capaz de julgar. Precisamos de um régua externa para medirmos o que é bom e ruim; sem ela, sempre falsearemos a verdade seguindo nossas inclinações naturais.
O pecado de Prelados não retira deles a legitimidade, pois a promessa de Cristo à Igreja não foi dada a um apóstolo em particular, mas ao grupo de apóstolos unido a Pedro. Se um ou outro bispo caem em erro, em nada afeta a autoridade da Igreja como um todo. São Francisco é o máximo exemplo de obediência: quando, a pedido do Papa, reformou a sua regra, não o fez de mau grado, mas, obedientemente, aceitou, vendo no desejo do Papa a vontade de Deus para a sua obra. Um carisma surge do fundador, mas a chancela da Igreja é necessária para que esse carisma seja bem vivido e interpretado. Muitas seitas, ao contrário, quando admoestadas pela Igreja a mudar um ponto ou outro de seu modo de viver, desobedecem, pois julgam que a hierarquia está em erro, enquanto elas, pelo simples carisma do fundador, tornaram-se superiores à hierarquia visível.
Lembremo-nos das palavras de Cristo: “Quem vos rejeita, a Mim rejeita” (Lc 10, 16). Assim, entender que o carisma não pertence ao Fundador ou aos seus membros, mas pertence à Igreja é um sinal claríssimo de que se trata de um grupo legítimo e sério.
2. O fundador – “Que eu diminua e Ele cresça” (Jo 3, 30)
Toda ordem, congregação e nova comunidade surgem a partir de uma inspiração inicial, normalmente concedida a uma pessoa pelo Espírito Santo.
Cada um desses grupos possui um carisma próprio. Os franciscanos santificam-se pela pobreza; os dominicanos pela pregação e pelo estudo. A Opus Dei pela santificação da vida ordinária no trabalho profissional, e assim por diante.
O fundador é aquele que, por ter sido instrumento de Deus, ensinou aos membros do seus grupo um caminho de santificação. O verdadeiro fundador não é o que cria por si mesmo o carisma, mas aquele que, movido pelo Espírito Santo, se torna instrumento de Deus para levar as pessoas a Ele a partir de um determinado carisma.
Em outras palavras, o fim de todo o carisma é mover as pessoas a amarem a Deus e a se santificarem. Assim, todos os carismas possuem o mesmo fim. São como diferentes estradas que dão para o mesmo lugar.
Portanto, em um grupo legítimo da Igreja, inspirado pelo Espírito Santo, o fundador é apenas o meio usado por Deus para ajudar as pessoas a se santificarem. O fundador realmente inspirado pelo Espírito Santo deseja diminuir-se para que Cristo cresça. Não pretende atrair as pessoas para si, mas para Deus. Não deseja comandar por comandar, não deseja receber louvores, não deseja ser compreendido, deseja apenas que, com sua vida, os seus filhos se sintam inspirados a amarem a Deus.
Isso não quer dizer que o fundador não pode ser objeto de admiração pelos membros do grupo; ao contrário, se o fundador viveu plenamente o carisma que lhe foi inspirado, ele deve admirado para ser imitado.
O segundo critério, portanto, é perguntar-se se o fundador e o carisma de um determinado grupo ajudam os seus membros a se aproximarem de Cristo.
Com base no primeiro critério – o de obediência à Igreja – poderíamos dizer também que o fundador deve ensinar apenas aquilo que o Magistério e o Evangelho ensinam. Ele não pode criar novas verdades ou ensinar verdades contrárias à de nossa fé. Deve ser respeitoso e obediente em relação à hierarquia. Não pode pensar que o carisma que lhe foi confiado pertence a ele, de tal modo que não ouve os conselhos e admoestações da Santa Igreja.
3. Desrespeito aos outros grupos da Igreja
Uma grande características das seitas é considerarem que são o único caminho de salvação possível ou, de uma maneira mais mitigada, que os outros carismas são inferiores se comparados com o carisma delas.
Um comunidade realmente católica, por outro lado, maravilha-se com a diversidade de carismas dentro da Igreja e deseja que todas as pessoas encontrem a sua vocação, independentemente onde seja.
A atitude das seitas fomenta pequenos cismas dentro da Igreja. Sem evidências sólidas, atacam os outros grupos, publicamente ou às escondidas, acusando-os de uma infinidade de coisas sem fundamento.
Essa atitude difere daquela de orientar um pessoa sobre eventuais problemas e dificuldades que possam haver em algum grupo. Por exemplo, se estamos certos que em determinado grupo ensinam-se heresias, podemos admoestar as pessoas para não os frequentarem. Mas apenas se estamos certos e se somos movidos pela caridade. Caso contrário, estamos fraturando a Igreja.
Uma comunidade católica deve entender que a salvação não se restringe ao seu grupo ou ao seu modo de vida. A Igreja é maior e é por meio dela que somos salvos. E um carisma apenas pode santificar se estiver unido intimamente a ela.
4. Conclusão
Demos três critérios seguros e sólidos para discernirmos entre os grupos legítimos dentro da Igreja.
Entretanto, as seitas possuem muitas outras características, como um autoritarismo sobre as consciências dos membros do grupo; revelações privadas em contraste com revelação dada por Cristo à Igreja; culto desmedido ao fundador ou ao superior etc.
Às vezes, notar essas características dentro de uma seita é desafiador, pois elas se apresentam como uma roupagem de seriedade e santidade que pode confundir a pessoa de boa-fé.
Entretanto, a partir dos três critérios aqui expressos, poderemos ter um bom fundamento para não cairmos no erro. Ficaremos seguros para poder, entre tantos carismas legítimos, escolher aquele que nos aproximará de Cristo e nos fará alcançar o Céu.
Excelente texto: claro e informativo. Não esconde as dificuldades, mas nos anima a enfrentá-las e superá-las! Meus parabéns!