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Eu não nasci ontem... Que pena!

Atualizado: 6 de abr. de 2021


“Você não sabe do que está falando! Nada a ver cara! Você fica citando livros e autores de séculos atrás, milênios atrás! Você é um medieval, um homem das cavernas”. Todo católico que defende a perenidade, seja na Filosofia, na Religião ou na Cultura, já se deparou com esse tipo de afirmativa. De onde vem esse esnobismo cronológico (como o chama C. S. Lewis) de presumir que todos os homens que nos precederam são completos idiotas? Por que a falácia do apelo à novidade tem tanta força? Recentemente o centro acadêmico da UFPA emitiu uma nota de repúdio direcionada a uma dissertação de Pós-Graduação que aplicava as ideias tomistas para analisar a relevância da Família na sociedade. Entre os argumentos, sustentou (duas vezes) que uma produção teológica produzida no século XIII não pode ser usada de maneira indiscriminada nos dias de hoje. Porque só a data da publicação parece ser suficiente para discriminá-la?

O filósofo britânico Roger Scruton, em seu artigo The Cultural Significance of Pop, ilustra como o rompimento com as raízes morais e teológicas de uma sociedade acabam por passar uma cultura mais pobre para as gerações seguintes. Existem efeitos nefastos de valorizar o rótulo de “homem de seu tempo” (afinal, nenhum tempo quer assumir a paternidade de Hitler ou Stalin)! O homem é um ser que planeja para o futuro e aprende com o passado, sendo que somente um homem muito auto-centrado é completamente um homem de seu tempo... A supervalorização do presente gera incoerência. Esse fenômeno se traduz nas artes pela substituição da moral, enquanto fonte de excelência e status, pelas taras de algum grupo privilegiado.

A noção monstruosa da Pós-Verdade é discutida seriamente hoje em dia, e vem disto. Scruton, no artigo Post-Truth? Is Pure Nonsense, fala de como Foucault, tomando as ideias de um pensador anterior, Karl Marx (doce ironia), troca a busca pela verdade pela narrativa de uma disputa de poder, de “lugares de fala”. Essa expressão te é familiar? Significa deixar de discutir se as afirmativas do discurso fazem sentido: tudo se resume a pessoas brigando por poder, “quem grita mais alto”. Essa é, em parte, a causa da nossa ânsia falaciosa e irracional por novidades, mesmo que elas não façam sentido nenhum: Se não existem critérios objetivos, uma verdade fora de nós, a única solução que nós cabe é migrar de colapso em colapso cada vez que a “verdade” muda.

Em artigo para a revista católica americana First Things, outro Roger, Roger Kimball (The end of art), fala sobre o divórcio entre a Arte e a Moral. Ele trás ecos da visão de Scruton, falando sobre como uma cultura cansada, sem o alimento das vozes de seus ancestrais, proclama incessantemente a novidade, em uma colagem tediosa de toda a sucata, sem produzir nada de novo ou original. O § 1954 do Catecismo da Igreja Católica diz que existe uma lei moral natural inscrita nos corações de todos os homens, o § 2104 defende a liberdade religiosa, e o tratamento daqueles que estão em alguma medida apartados da doutrina católica com “respeito sincero (...) amor, prudência e paciência”. A crença em uma moral objetiva, que a novidade não pode suplantar, acaba criando seres humanos mais tolerantes quando leva o olhar para fora de nós. A Verdade está dentro de nós, mas de nós não depende. Se nos colocamos como campeões das últimas modas sem nenhum critério, estamos presumindo que nossas mentes modernas são capazes de criar e recriar o mundo, e que vencer o debate é questão de cansar ou berrar, submetendo por meio do constrangimento e da força, já que não existe nada anterior a nós a que devamos satisfação. Tolerância não é indiferença em relação a verdade ou subjetivismo.

Em se tratando Igreja Católica, esses enganos se afirmam com força muitas vezes por pretextos nobres, como arrebanhar "mais servos para a messe", sem que seus porta-vozes percebam os seus múltiplos problemas. Em primeiro lugar, o valor da Igreja decorre de uma notícia: o reportar a Encarnação, Morte e Ressurreição de Deus, fato que mudou a história. Mudar essa notícia é falseá-la, é mentir, só cabendo a Igreja refletir como espalhar o dado que muda a história (Deus vive e morreu por nós). Em segundo lugar, a notícia não é propriedade da Igreja para que Ela possa mudá-la. Crer-se apto a "inovar" a moral ao invés de descobri-la é o caminho mais rápido para se proclamar Deus. Em terceiro lugar, o verdadeiro rebanho não quer uma Igreja que muda suas bases, pois tem sede da Eternidade que não muda. A Igreja não pode ter sede de um rebanho volúvel. "Defendamos a Verdade mesmo que voltemos a ser só doze": lembrem-se que só um dos doze ficou junto a cruz.

Chesterton nos estimula, pela tradição, a ser democráticos com os nossos mortos (uma minoria muito silenciosa e parada). Se não devemos desprezar a opinião dos homens pelo sua classe ou etnia, tampouco devemos fazê-lo em função da data de sua morte. Luiz Felipe Pondé, professor de Filosofia ateu, em seu livro Os Dez Mandamentos mais um, faz uma defesa eficiente (e surpreendentemente materialista) do legado das tradições Judaicas do cânon dos livros sapienciais (Jó, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes, Provérbios e Eclesiásticos): porque desprezar os ancestrais, se eles conseguiram não só sobreviver, mas nos entregar técnica para nosso proveito?

O intuito deste texto não é caluniar a modernidade, é recordar que ela não nasceu ungida com a capacidade de superar o passado e redimir a história. Aquele que fazia essas afirmativas sobre si morreu numa Cruz abandonado como um criminoso, e não queria mudar sequer uma letra da Lei, mas queria elevá-la à plenitude. A Redenção Católica não passa por atropelar o passado, mas em aprender com ele e, com ensinamentos perenes, transcender o tempo por Aquele que está dentro e fora dele: além do presente, do futuro e do passado.

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